"Igreja usa uma política de avestruz"
Ontem
Jornalista, romancista, ensaísta, professor universitário e em academias de Polícia e analista político, o peruano Eric Frattini lançou, este semana, em Portugal, o seu mais recente livro.
O Labirinto de Água conta a história de uma jovem arqueóloga a quem a avó moribunda revela a existência de um manuscrito antigo guardado na caixa-forte de um banco americano. Enquanto parte em busca do conteúdo desse documento, os serviços secretos do Vaticano tentam, a todo o custo, evitar que ela torne pública a mensagem contida no manuscrito. Ponto de partida para uma conversa sobre Deus, Jesus Cristo, Vaticano e a Igreja Católica.
Começo por perguntar: é católico?
Era. Tenho 46 anos e tive uma educação católica, mas há 10 anos que deixei de o ser.
Porquê?
Vi demasiadas coisas. Vivi 17 guerras como jornalista e, em alguns momentos, perguntei-me se Deus estava de férias. Por isso, deixei de ser crente.
É também por isso que se dedica tanto a investigar o Vaticano?
Eu escrevo sobretudo sobre a história e a política do Vaticano. É importante sabermos diferenciar o Papa enquanto cabeça da Igreja Católica e o Papa enquanto chefe de um Estado muito poderoso, que é o Estado do Vaticano. E isto não é entendido pela maioria das pessoas.
Quais são as suas principais preocupações relativamente ao Vaticano?
Quando estava a preparar o livro A Santa Aliança - Cinco Séculos de Espionagem no Vaticano, um alto membro da Cúria Romana disse-me que, para a Igreja Católica, tudo o que não é sagrado é secreto. E, de facto, têm mantido em segredo questões muito importantes para a História. Estão classificados, por exemplo, todos os documentos referentes à actuação do Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial (um assunto tabu) e estes nunca serão desclassificados. Foi necessário esperar por João Paulo II para termos acesso ao processo de Galileu ou ao dos Templários, que contém documentos interessantes para muitos investigadores.
Porquê todo este secretismo?
Creio que o Vaticano e a Igreja Católica sobreviveram estes dois mil anos principalmente porque souberam defender muito bem os seus segredos. É preciso não esquecer que a Igreja sobreviveu a revoluções, a cismas, ao comunismo, ao capitalismo, ao protestantismo, ao luteranismo, sobreviveu a tudo. Isto porque tem tido sempre aquilo a que chamo uma "política de avestruz": coloca a cabeça debaixo da terra e espera que passem os leões e que não levem o resto do corpo. É assim que tem sobrevivido.
Começa O Labirinto de Água com a história do Evangelho de Judas Iscariotes.
Sim, é um documento que foi descoberto nos anos 70. Este livro está dividido em três partes: a da realidade, a da ficção e a da parte real que eu ficciono. O leitor deve entender O Labirinto de Água como um livro de ficção. A novela começa com a Última Ceia, antes da qual Jesus Cristo fala a sós com Judas Iscariotes e lhe revela algo. Imediatamente a seguir, acontece a famosa traição. A cena seguinte passa-se 60 anos mais tarde, quando Judas vive já em Alexandria e está às portas da morte, e tem como ajudante um dos seus discípulos, Eliezer, a quem conta o que Jesus lhe tinha contado antes da Última Ceia. Este escriba escreve depois uma carta, a "Carta de Eliezer" (que é ficção), escrita em aramaico siríaco, e que é traduzida por uma das personagens.
Consultou o Evangelho de Judas?
Sim. O documento está numa fundação, em Genebra, e toda a restauração foi financiada pela National Geographic, juntamente com uma fundação suíça. Os trabalhos já terminaram e imagino que brevemente será exposto no Egipto, no Museu Copta.
O documento não é reconhecido pela Igreja Católica?
Vamos ver. Ainda são poucos os católicos que sabem da sua existência. No ano 180, Irineu de Leão, um dos grandes homens da religião, foi quem decidiu que livros sagrados iriam integrar a Bíblia e quais o que seriam considerados hereges, nos quais estava incluído o Evangelho de Judas. Mas, graças a Deus, muito chegaram aos nossos dias, como o Evangelho de Maria ou o Evangelho Secreto de Marcos, que fala da possível homossexualidade de Cristo. Até entendo porque são considerados hereges, pois a mentalidade de um cristão do século II não é a mesma de um cristão do século XXI. Uma das maiores críticas que faço à Igreja Católica é a de como é possível, em 19 séculos, nunca ninguém ter proposto a revisão dos textos, quando existe no Vaticano a Congregação dos Textos Sagrados.
Por que é que a Igreja não aceita a homossexualidade ou o preservativo?
Porque são temas tabu. Depois de ter sido escolhido para Papa, o primeiro documento que Bento XVI assinou, que é secreto e é dirigido ao clero, tem mais ou menos este título: "Ordem dos seminários para o futuro ingresso de membros da Igreja para evitar que possam aceder à Igreja os sacerdotes que são claramente homossexuais ou com ideologia gay". Estamos a falar do ano 2006.
Qual a sua opinião sobre os casos de abuso sexual praticados por membros da Igreja?
Sou muito crítico em relação à posição que a Igreja Católica adoptou sobre os casos de abuso sexual de crianças. O primeiro Papa que dá início à conspiração de silêncio é João XXIII, que escreveu um documento de 32 páginas, através do qual dá instruções aos altos membros da Cúria de como esconderem todos os casos de abuso sexual sobre crianças ou seminaristas, nos seminários ou nas paróquias, cujos autores devem ser tratados como pecadores e não como delinquentes.
Algumas pessoas dizem que tudo não passa de uma campanha contra Bento XVI.
Não creio que seja isso. Graças a Deus, agora temos meios de comunicação livres e temos a Internet.